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sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

Plantas muito primitivas



Os fetos originaram as primeiras florestas
Os fetos são, hoje, seres quase insignificantes num mundo dominado pelas plantas com flor. O biólogo Jorge Nunes revela as singularidades destas plantas antiquíssimas, que assistiram ao aparecimento e à extinção dos dinossauros e ainda perduram. Portugal acolhe algumas espécies muito raras, únicas em toda a Europa.
Quando, há vinte séculos, os romanos esventraram, com as suas explorações mineiras a céu aberto, as serras de Santa Justa e de Pias, nos arredores da cidade de Valongo, à cata de recursos minerais, como o antimónio e o ouro, jamais imaginariam que estavam a contribuir para a criação de peculiares refúgios da natureza.
As antigas minas romanas, cavidades estreitas e fundas que correspondem ao desmonte dos filões auríferos, localmente conhecidas por “fojos” ou “barrocas”, não são apenas interessantes vestígios arqueológicos, mas constituem também verdadeiros oásis onde diversas espécies raras, há muito desaparecidas da paisagem envolvente, encontraram condições únicas para a sua sobrevivência.
Entre as preciosidades botânicas, encontra-se o feto-de-cabelinho (Culcita macrocarpa), com frondes (denominação científica para as “folhas” dos fetos) que podem alcançar dois metros de comprimento. É considerado um endemismo ibero-macaronésio, encontrando-se confinado a algumas localizações pontuais nos Açores, na Madeira e nas Canárias e em muito poucas localidades da península Ibérica. Em Portugal continental, tem a sua distribuição limitada a populações residuais nos fojos da serra de Pias (conhecem-se quatro populações, com um efetivo total estimado em 300 indivíduos), pelo que é considerado uma espécie “muito rara”.
Porém, este feto, naturalizado em solo português, nem sempre esteve confinado aos fojos. Pouco depois de ter sido colhido pela primeira vez, em maio de 1940, ocupava cerca de 2000 metros quadrados na vertente nordeste da serra. Foi tão abundante que, em tempos passados, chegou a ser vendido pelas floristas do Porto, como planta ornamental.
As referências bibliográficas indicam, no entanto, uma clara redução da sua área de distribuição e apontam os incêndios que têm assolado a região durante décadas como a principal causa de regressão. Além do fogo, tido como o agente mais destrutivo, os botânicos apontam também o dedo à plantação intensiva de eucalipto, que terá contribuído significativamente para a degradação do habitat.
Um outro feto, que se acouta nas desusadas cavidades mineiras, é o Trichomanes speciosum. Trata-se de uma planta de modestas dimensões, com frondes que não vão além dos 30 centímetros de comprimento. A sua distribuição no nosso país circunscreve-se a apenas dois fojos da serra de Santa Justa, sendo por isso considerado com estatuto de conservação de “ameaçado”. Em 1996, botânicos da Faculdade de Ciências do Porto encontraram somente vinte tufos da espécie, com apenas algumas dezenas de indivíduos cada um.
Segundo João Honrado, investigador da Universidade do Porto, estas são “duas relíquias florísticas, uma vez que se pensa que terão sido frequentes em Portugal continental nos períodos mais quentes e húmidos do Holoceno, em que dominavam na paisagem bosques semelhantes às laurissilvas atualmente observáveis nas ilhas da Macaronésia”.
No entanto, há mais. Em 1939, o botânico Resende Pinto encontrou, num dos fojos, exemplares naturalizados de Dicksonia antarctica, que existe em estado selvagem apenas na Austrália e na Tasmânia. Embora Valongo seja o único local do país onde esta espécie se encontra naturalizada, o seu surgimento naquele sítio continua a ser um autêntico mistério.
A beleza e a pujança deste imponente feto arbóreo, que pode atingir uns notáveis quatro metros de altura e apresentar um tronco com quase meio metro de diâmetro, podem ser apreciadas em vários jardins do país, nomeadamente no vale dos Fetos, localizado no interior da magnífica Mata Nacional do Buçaco, ou numa das feteiras existentes nos parques da Pena ou de Monserrate, em Sintra.
O que têm, afinal, as velhinhas minas de tão especial? A resposta é simples: devido à sua arquitetura, além de serem abrigo seguro para fugir ao fogo assassino, apresentam humidade elevada e temperatura moderada ao longo de todo o ano. Ou seja, constituem um habitat que oferece condições ambientais peculiares, muito apreciadas pelos fetos. Isto explica por que espécies raras, consideradas extintas noutras paragens onde provavelmente terão existido, conseguiram aí sobreviver até aos nossos dias.
Curiosamente, não foram apenas os fetos que encontraram nos recantos sombrios e húmidos dos fojos abrigo seguro: muitos animais também fizeram deles a sua casa. Uma das espécies mais emblemáticas é a salamandra-lusitânica, endémica da península Ibérica, que tem nestas paragens uma das mais importantes populações portuguesas, com elevado número de indivíduos e locais de reprodução.
Devido à herança cavernícola dos romanos, que perdeu a sua importância metalúrgica mas ganhou um inestimável valor ecológico, este pequeno paraíso acabou incluído na Rede Natura 2000, fazendo parte da Lista de Sítios de Importância Comunitária. No entanto, apesar de classificado, continua sob enormes ameaças, resultantes da elevadíssima pressão urbanística, da artificialização dos povoamentos florestais, da invasão por espécies exóticas e dos incêndios florestais. Ninguém sabe, por isso, até quando as vetustas minas romanas continuarão a ser um refúgio seguro para a fauna e a flora.
Preciosidades portuguesas
Gonçalo Sampaio e António Machado fizeram, em 1915, talvez uma das mais importantes descobertas relativas aos fetos de Valongo, quando encontraram, nas margens do rio Ferreira, o pinheirinho (Lycopodiella cernua). Trata-se de um feto com um aspeto bastante diferente do habitual, com numerosos ramos que podem atingir 40 cm de comprimento, revestidos de pequenas folhas, e que terminam numas dilatações amareladas pendentes, os estróbilos, que lhe conferem o aspeto de um pequeno pinheiro, a que alude o nome comum.
É uma espécie com distribuição predominantemente tropical, sendo Valongo o único local conhecido de ocorrência desta espécie em toda a Europa. Contudo, parece estar confinada a um talude com uma extensão não superior a 200 metros. Além disso, o local encontra-se fortemente intervencionado, tendo implantada nos terrenos envolventes uma exploração de eucaliptos que impede a instalação da vegetação natural e põe em risco a viabilidade daquela população.
Ainda na região de Valongo, já ocorreu (de momento, a presença da espécie não está confirmada) um parente próximo: o licopódio-dos-brejos (L. inundata). É também uma planta perene, de caules estolhosos prostrados, completamente revestidos de folhas e que emitem ramos férteis até 20 cm de comprimento, geralmente de março a setembro. Surge em sítios inundados, como as margens de turfeiras, em solos higroturfosos (com formações herbáceas de baixa cobertura e pobres em musgos) e arenosos. Conhecem-se localizações nos concelhos de Braga, Viana do Castelo e Vila Real, e ainda em várias ilhas dos Açores.
Todavia, estes são apenas mais dois exemplos de fetos que vivem à beira do abismo. Ao folhear o antiguinho atlas de distribuição das pteridófitas em Portugal, da autoria de João Franco e de Maria da Luz Afonso, publicado em 1982, facilmente podemos constatar que, já nessa altura (há 30 anos), existiam 15 espécies muito raras ou em vias de extinção, num total de 70 conhecidas no nosso país. Segundo aqueles autores, para além das espécies raras ou em perigo de extinção existentes nas serras de Valongo, outras deveriam merecer proteção especial, como o licopódio-da-estrela (L. clavatum) e o feto-de-folha-de-hera (Asplenium hemionitis).
O licopódio-da-estrela, como o nome indica, é uma planta exclusiva da serra da Estrela, onde surge apenas em alguns locais mais abrigados de prados húmidos (com solos ácidos), localizados por volta dos 1650 m de altitude.
O feto-de-folha-de-hera encontra-se exclusivamente nas regiões de Sintra e Mafra (e nos arquipélagos dos Açores e da Madeira), onde surge em sítios húmidos e sombrios, nas fendas de muros e nas paredes musgosas de tanques e poços. Não é difícil de distinguir, basta atentar no seu nome vulgar: folhas similares às da hera, embora maiores (10 a 35 cm de comprimento); é uma planta vivaz, de rizoma (caule subterrâneo, de onde partem as folhas) curto.
A obra de João Franco e Maria Afonso evidenciava ainda o língua-de-cobra (Ophioglossum azoricum), o avencão-peludo (Asplenium petrarchae), o feto-macho-das-altas-montanhas (Dryopteris oreades) e mais algumas espécies que, pela sua raridade, nunca foram batizadas com nomes comuns: Cheilanthes guanchica, Cryptogramma crispa, Asplenium septentrionale, Dryopteris expansa, Dryopteris guanchica, Pilularia minuta Pilularia globulifera (infestante dos arrozais).
Ainda merece destaque especial o feto-do-botão ou feto-vaqueiro (Woodwardia radicans). É um feto gigante, que pode ter frondes com três metros de comprimento e atingir dois a três metros de altura. Surge em locais húmidos e sombrios no interior das matas caducifólias. Esta espécie, também considerada uma relíquia do Holoceno, tem uma distribuição subtropical mediterrânico-atlântica. Em Portugal continental, ocorrem cerca de 2500 indivíduos, distribuídos por seis populações, localizando-se as mais importantes na serra do Gerês (surge também nos arquipélagos dos Açores e da Madeira). Ocorre geralmente em locais húmidos e abrigados de matas caducifólias e bosques ribeirinhos, abaixo dos 700 metros de altitude. Também pode ser observado na serra de Sintra, nos parques da Pena e de Monserrate, onde foi introduzido.
O Relatório Nacional de Implementação da Diretiva Habitats, divulgado pelo ICNB em 2008, inclui ainda como espécies prioritárias, na flora das regiões atlântica e mediterrânica, aMarsilea batardae e a M. quadrifolia, e, na flora da região macaronésica (Açores e Madeira), a Diphasiastrum madeirense, a Huperzia suberecta, a Hymenophyllum maderensis, aIsoetes azorica, a Marsilea azoricae e a Polystichium drepanum.
Interessa destacar que a Marsilea batardae é um endemismo ibérico, que restringe a sua ocorrência às zonas abrangidas pela bacia do rio Guadiana. Ocorre em zonas sujeitas a inundações periódicas, adjacentes a rios e em charcos temporários, geralmente em leitos argilosos, não inundados, sobre cascalho. Já a M. quadrifolia, conhecida como “trevo-de-quatro-folhas”, é um feto semiaquático que se assemelha a um trevo, apresentando folhas compostas por quatro folíolos. Habita locais inundados, como margens de rios ou reen­trâncias fluviais onde a velocidade da água é moderada. O único núcleo conhecido em solo lusitano está localizado nas margens do rio Douro, mais precisamente na praia fluvial da cidade da Régua. Nos últimos anos, tem-se assistido a uma diminuição acentuada e constante do número de indivíduos, devido sobretudo a alterações das margens fluviais e a competição com espécies exóticas invasoras, entre outras.
Retrato de família
Olhar para um feto não é propriamente uma epifania visual. À primeira vista, parecem plantas insignificantes e monótonas, sem cores brilhantes que nos empolguem os olhos, mas vale a pena observá-los com mais atenção, pois atrás do verde melancólico escondem-se fascinantes particularidades biológicas, algumas com milhões de anos.
Os fetos fazem parte de um grupo botânico conhecido como “pteridófitas”. Não produzem flores, frutos ou sementes, sendo consideradas as plantas vasculares mais antigas. Isto porque possuem tecidos condutores especializados, como o xilema, onde circulam a água e os sais minerais captados do solo, e o floema, que transporta as substâncias orgânicas produzidas nos órgãos fotossintéticos.
As pteridófitas somam, hoje em dia, cerca de doze mil espécies e existem desde há aproximadamente 360 milhões de anos. Embora sejam muito antigas, se toda a história da Terra fosse comprimida numa única hora, teriam surgido somente nos últimos cinco minutos, mais ou menos quando os anfíbios começaram a aventurar-se livremente fora de água.
Tradicionalmente, os fetos eram incluídos na classe das filicíneas (foi assim que muitos de nós os estudámos nos bancos da escola). Porém, classificações mais recentes, baseadas em sistemática molecular, fizeram uma reorganização das pteridófitas e incluíram-nos na classe das Pteridopsida. Nesta nova arrumação, as cavalinhas formam a classe dasEquisetopsida, enquanto outras plantas parecidas com os fetos, como a língua-de-cobra (Ophioglossum azoricum) existente nos Açores, fazem parte das Psilotopsida. No nosso país, encontram-se espécies pertencentes a três das quatro classes que formam atualmente as pteridófitas.
As Pteridopsida, também chamadas “fetos verdadeiros”, compreendem cerca de 9000 espécies, constituindo o maior grupo das pteridófitas. Colonizam uma grande diversidade de ambientes. Embora a maior parte cresça no solo, preferindo habitats húmidos e sombrios, também há espécies epífitas, que crescem agarradas a caules ou folhas de outras plantas.
Morfologicamente, os fetos são bastante polimórficos, pois podem ser gigantescos, atingindo vários metros de altura, ou medir apenas alguns centímetros. As espécies mais comuns têm um caule geralmente rizomatoso, que cresce quase completamente enterrado no solo, com uma extremidade ascendente acima da terra rodeada por uma espiral de folhas. As raízes crescem habitualmente na zona de junção da base das folhas, na superfície inferior dos rizomas. Quanto às folhas, as frondes, são normalmente verdes, ficando castanhas à medida que envelhecem. Quando jovens, são, em muitas espécies, circinadas, ou seja, enroladas em forma de báculo. A maioria das frondes é composta, ou seja, a lâmina foliar está dividida em folíolos ou pínulas.
Do ponto de vista económico, os fetos não possuem grande importância. No entanto, algumas espécies são cultivadas como plantas ornamentais; outras, assemelhando-se a espargos, são utilizadas para fins culinários. Os rizomas de alguns Dryopteris são utilizados para fins medicinais e as raízes de algumas espécies de Osmunda são usadas como substrato para o cultivo de orquídeas e de outras epífitas ornamentais.
A classe Equisetopsida é formada exclusivamente pelas cavalinhas, pertencentes ao género Equisetum, que significa literalmente “cauda de cavalo”. Estas plantas bastante primitivas (o registo fóssil mostra que já existiam no Devónico, há mais de 360 milhões de anos) também são conhecidas por “rabo-de-asno”, “rabo-de-touro”, “cauda-de-raposa” ou “milho-de-cobra”. “Lixa-vegetal” é outra denominação curiosa, que fica a dever-se aos consideráveis depósitos de sílica acumulados na epiderme do caule, e que as torna um excelente material para limpar metais, propriedade já conhecida desde a antiguidade.
As folhas são pequenas (micrófilos) e encontram-se agrupadas em verticilos: partem dos nódulos, onde estão todas fundidas na base, formando um colar. Apesar de serem verdes ao nascerem, vão descorando, sendo o processo fotossintético assegurado, sobretudo, pelos caules.
Estas plantas possuem longos rizomas, donde partem os caules aéreos, que podem atingir um metro de altura. Os órgãos reprodutores agrupam-se para formar um cone apical designado por “estróbilo”, com 2 a 4 centímetros, onde são produzidos os esporos. Dada a facilidade de propagação e a sua persistência no solo, podem tornar-se daninhas nos campos agrícolas mais húmidos.
Possuem inúmeras aplicações terapêuticas. Entre as mais conhecidas, encontram-se as diuréticas e adstringentes. Segundo as ervanárias, auxiliam no tratamento da gonorreia, das diarreias e das infeções de rins e bexiga, estimulam a consolidação de fraturas ósseas e a cicatrização e aumentam a elasticidade da pele, entre muitas outras utilizações. Convém referir que doses excessivas podem causar disfunções renais e cardíacas, pelo que o seu uso deve ser feito com moderação.
Entre os representantes da classe Psilotopsida, interessam-nos principalmente as espécies pertencentes ao género Ophioglossum, que significa literalmente “língua de serpente”, uma vez que são as únicas que ocorrem em território português. Uma das curiosidades associada a este grupo sistemático é que tem o maior número de cromossomas de entre todas as plantas conhecidas:  o O. reticulatum possui 1260.
As primeiras florestas
Durante mais de 4000 milhões de anos, a vida esteve confinada à água e a superfície terrestre manteve-se estéril. As primeiras plantas a colonizar a terra foram singelas criaturas não vasculares, as briófitas (musgos e hepáticas). O seu surgimento à face da Terra trouxe outra vivacidade a um mundo pintado de cinzento e abriu as portas para que os animais também se aventurassem na conquista dos continentes.
As briófitas tinham uma enorme limitação, que impediu a sua expansão muito para além das margens dos ambientes aquáticos, húmidos e sombrios: eram altamente dependentes da água. Além de necessitarem dela para a sua reprodução e de não possuírem tecidos condutores, também não tinham verdadeiras raízes. Em vez delas, possuíam apenas rizoides que as fixavam tenuemente ao substrato, mas não desempenhavam grande atividade na absorção de água e substâncias minerais. Assim, formavam apenas extensos tapetes verdes, que não iam além de um palmo de altura.
As pteridófitas eram muito mais evoluídas. Por isso, quando surgiram, foi sem grande surpresa que começaram a competir e a ganhar terreno às pequenas e frágeis briófitas. Afinal, a seleção natural dera-lhes algumas vantagens competitivas, como um sistema vascular e verdadeiras raízes, que permitiam uma melhor fixação e captação de água subterrânea (a única disponível em locais mais áridos). Assim, estavam prontas para a aventura: ocupar os lugares mais secos, longe dos rios, lagos e pântanos, onde o tom verde nunca tinha chegado anteriormente.
As adaptações a ambientes secos ainda hoje são evidentes em algumas espécies que, além de ostentarem longas raízes, possuem folhas resistentes, cerosas ou com escamas sobrepostas. Uma das mais bem-sucedidas tem sido o feto-ordinário (Pteridium aquilinum), que ocorre em muitas partes do mundo com diversas variedades. Em Portugal, surge por todo o lado, sendo uma planta invasora das pastagens e dos campos agrícolas abandonados, onde não é fácil de controlar e erradicar.
A competição no reino vegetal ensinou aos fetos uma outra lição: se uma planta não atinge determinada altura, arrisca-se a ser obscurecida pelas que a rodeiam, acabando por, na ausência de luz, morrer. Assim, mal criaram raí­zes firmes, expandiram-se velozmente, e não só na horizontal. Como estavam dotadas de vasos lenhosos reforçados na parte interna do caule, para transporte de água absorvida pelas raízes, puderam aventurar-se também em direção ao céu.
A maior rigidez dos seus tecidos possibilitou o crescimento até alturas consideráveis. A competição pela luminosidade levou as pteridófitas, que abundavam nos pântanos do Carbonífero (entre 359 e 245 milhões anos atrás, aproximadamente), também conhecido por “período dos fetos”, a atingirem mais de 30 metros de altura e a desenvolverem troncos lenhosos, com dois metros de diâmetro. As primeiras florestas não tardariam a surgir.
Como facilmente se compreende, o aparecimento do estrato arbóreo, e dos novos nichos ecológicos a ele associados, veio contribuir para grandes modificações na vida dos animais e das plantas, que assim tiveram de se adaptar aos novos desafios. Os bosques primitivos, onde os fetos atingiram porte de árvores, tornaram-se o lar de animais muito estranhos, dignos de filmes de terror. Passea­vam-se pelo chão escorpiões e centopeias com mais de dois metros de comprimento (aproximadamente o tamanho de um cavalo), sobrevoados por libélulas gigantes, com cerca de 75 centímetros de envergadura (semelhante à de um pombo em voo). Os anfíbios eram, por essa altura, os maiores predadores à superfície da Terra, tendo atingido dimensões gigantescas, com vários metros de comprimento. Os franzinos répteis iam conquistando terreno e tamanho, de modo a tornarem-se os “reis” do Mesozoico, período de tempo geológico subsequente que ficou conhecido como “era dos dinossauros”.
Os fetos arbóreos ainda podem ser observados nas florestas tropicais, porém, com dimensões bem mais modestas: apenas 18 metros de altura, embora com folhas que podem ultrapassar os quatro metros de comprimento. A maior evidência do que foram os luxuriantes e densos bosques do Carbonífero, localizados principalmente nas regiões pantanosas, não está à vista. Encontra-se bem escondida no subsolo, sob a forma de restos vegetais fossilizados. É o carvão mineral, a matéria que esteve na base da Revolução Industrial e ainda hoje continua a ser utilizada como combustível fóssil. Por incrível que pareça, mesmo sem nos darmos conta, após milhões de anos, ainda continuamos a usufruir das magníficas florestas que os fetos ajudaram a edificar.
Sexo aquático
Alguns fetos conseguem propagar-se vegetativamente (assexuadamente) por meio de rizomas ou bolbilhos produzidos nas folhas, mas a propagação faz-se, em geral, por meio de esporos formados nos esporângios. Na maior parte das espécies, estes são bem visíveis durante a época de reprodução (de coloração amarela, alaranjada, castanha ou cinzenta, distinguem-se bem do verde da planta), mas é preciso virar a página para os encontrar: estão situados na face inferior das folhas (podendo também surgir nas axilas ou nos vértices). Noutras, surgem em folhas férteis distintas das restantes, como acontece com o feto-real (Osmunda regalis), que possui folhas externas estéreis e internas com parte terminal fértil de cor vermelho-acastanhado, pelo que também é conhecido por “feto-florido”. Distribui-se por quase todo o país, em zonas húmidas (preferencialmente acidófilas): margens dos cursos de água, fendas de rochas e bosques de caducifólias.
É bastante frequente os esporângios surgirem agrupados, constituindo os soros, que se situam geralmente sobre uma nervura que lhes fornece alimento. Em algumas pteridófitas, como no polipódio-vulgar (Polypodium vulgare), os soros não estão protegidos, mas na maioria dos fetos têm uma cobertura que se designa “indúsio”, em forma de rim, de escudo, de vesícula ou linear.
Embora os soros sejam bem visíveis a olho nu, os esporângios (e os esporos) só se lobrigam ao microscópio. No polipódio-vulgar, são pedunculados, revestidos por uma camada especial de células com espessamentos, que funciona como mola, e está associada à dispersão dos esporos: são lançados de forma tão violenta, num movimento semelhante ao de uma catapulta, que nem conseguem ser detetados pelo olho humano.
O número de esporos libertados por cada esporângio varia de espécie para espécie, podendo ultrapassar os 15 mil, como acontece com o língua-de-cobra-maior (Ophioglossum vulgatum). Se somarmos todos os esporângios de um único exemplar, constata-se que pode produzir mais de 50 milhões. No entanto, parece justificar-se tão descomunal produção, pois a maioria dos esporos, dispersados pelo vento ou pela chuva, acabará por perder-se. Apenas poderão germinar aqueles que tiverem a sorte de aterrar num pedaço de solo com as condições adequadas, originando um pequeno protalo verde, em forma de coração. Como veremos já de seguida, a forma do protalo fotossintético parece ser premonitória, uma vez que nele ocorrerá um acontecimento maravilhoso, que muitas pessoas associam apenas ao reino animal: a fecundação (sim, leu bem: fecundação!).
Na superfície inferior do protalo, surgem pequenos rizoides, que o abastecem de água e nutrientes. Na mesma zona, desenvolver-se-ão órgãos reprodutores femininos (arquegónios) e masculinos (anterídios), que irão participar na reprodução sexuada. Os femininos originarão a oosfera (gâmeta fêmea) e os masculinos produzirão anterozoides (gâmetas machos), semelhantes a espermatozoides com cílios ou flagelos que lhes permitem deslocar-se. Os nomes podem parecer complicados, mas é tudo muito natural: os anterozoides nadam até à oosfera, fecundando-a.
Como os anterozoides só podem chegar aos arquegónios nadando, a fecundação só se verifica quando o protalo está coberto de água: após uma chuvada ou uma noite de orvalho. Nessa altura, os anterídios abrem-se, libertando o seu esperma pálido repleto de anterozoides. Simultaneamente, os arquegónios soltam uma substância química que os atrai até junto da oosfera.
O ovo ou zigoto, resultante da união dos dois gâmetas, começará a desenvolver-se sobre o protalo onde aconteceu a estranha relação sexual, originando um feto com vida independente. As folhas nascem enroladas e vão-se desenrolando à medida que crescem. Dizem os especialistas que isto lhes permite resistir às asperezas do solo e à dessecação. Quando atingir a maturidade, a planta irá também desenvolver esporângios e produzir esporos, que darão continuidade ao ciclo.
Baú de memórias
Os fósseis são uma janela para o passado, que nos ajuda a compreender melhor o presente. Nos terrenos carboníferos das serranias de Valongo, onde durante décadas se explorou carvão (minas de São Pedro da Cova, Gondomar), é possível encontrar belos exemplares de vegetais fossilizados que comprovam a importância das pteridófitas nas florestas primitivas e a sua existência naquelas paragens desde tempos imemoriais.
As memórias paleobotânicas guardadas nas rochas xistosas, que datam de há aproximadamente 300 milhões de anos, têm sido de grande utilidade para os paleontólogos. Através da sua análise, foi possível reconstituir o ambiente que existiria no local durante o Carbonífero: era uma bacia sedimentar continental, nas margens da qual se desenvolveu uma flora luxuriante, certamente impulsionada pelo clima quente e húmido da época (convém recordar que a península Ibérica se encontrava então sobre o equador). É conhecida por Bacia Carbonífera do Douro ou Sulco Carbonífero Dúrico-Beirão, e estendia-se por cerca de 85 quilómetros, desde as imediações da Apúlia (Norte do Porto) até Castro de Aire, no distrito de Viseu.
Nas jazidas fossilíferas da Bacia Carbonífera, têm sido descobertos elementos megaflorísticos muito curiosos. Investigadores do Centro de Geologia do Porto identificaram, recentemente, novas espécies de pteridófitas fósseis: Lepidostrobophyllum hastatum, Alloiopteris pecopteroides, Mixoneura subcrenulata, Pecopteris puertollanensis, Litostrobus iowensis, Asterophyllites longifolius Desmopteris sp. Além destas, existem outras bastante mais comuns, como por exemplo, as Calamites, que eram as parentes extintas das atuais cavalinhas. Embora sejam muito idênticas do ponto de vista morfológico, distinguem-se sobretudo pela enorme diferença de tamanho: as espécies contemporâneas são apenas ervas, enquanto as pré-históricas atingiam porte arbóreo e cresciam até aos 30 metros de altura.
Entre a flora fóssil mais abundante, encontram-se os exemplares do género Pecopteris, fetos arbóreos que possuíam folhas com nervuras principais bem vincadas e secundárias ramificadas dicotomicamente. Ao vê-los moldados nas rochas, saltam à vista as parecenças com algumas espécies contemporâneas, que parecem ter evoluído muito pouco desde há milhões de anos. Se colhêssemos nas redondezas um pedaço de feto-ordinário e fizéssemos com ele um molde em plasticina, iríamos ficar espantados com as semelhanças existentes entre ambos.
Alguns fetos parecem ter parado no tempo. Em determinados aspetos, como a morfologia e o modo de reprodução (existência de anterozoides móveis e a dependência da água para a fecundação), as espécies atuais preservam ainda muitas características primitivas, que lhes conferem singularidades biológicas que continuam a fascinar-nos. Depois desta leitura, não voltará a olhar para um feto com os mesmos olhos, certo?

quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

LIVRO: MÉTODOS DE ESTUDO EM BIOLOGIA DA CONSERVAÇÃO E MANEJO DA VIDA SILVESTRE

Esta ai uma boa dica de  livro para aqueles que desejam trabalhar com conservação. Este manual descreve várias metodologias de orientação para profissionais em seus trabalhos de manejo e conservação de espécies e hábitats ameaçados de extinção. Poderá ser empregado como um guia prático auxiliando em pesquisas de campo com animais e plantas. 




Laury Cullen Jr - Rudy Rudran -  Cláudio Valladares-Padua (organizadores)
Editora UFPR, 2004 - 652 páginas


terça-feira, 7 de janeiro de 2014

Cobra com Salmonela e gato com AIDS: doenças que podem atacar animais e seres humanos

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        Com cada vez mais animais de estimação, e consequentemente com o cuidado médico que recebem, aumentam as descobertas de doenças em animais, mas que são velhas para o ser humano, como pneumonia, salmonela ou tuberculose.E não são apenas os domésticos que as apresentam, - os selvagens como tigres e leões, e animais com o organismo tão diferente do nosso, como cobras também podem sofrer dos males.
        Segundo o biólogo e diretor do Museu do Butantan, Giuseppe Puorto, répteis e anfíbios tem a menor probabilidade de desenvolver as mesmas doenças que os humanos, pois possuem um organismo muito diferente. "Os répteis, por exemplo, são animais que chamamos de sangue frio, precisam de fontes externas para aquecer o corpo. Já os mamíferos têm sangue quente, conseguem manter a temperatura do corpo constante. É uma diferença brutal", explica. O biólogo também explica que se as condições de manejo de répteis e anfíbios em cativeiro não forem adequadas, doenças como pneumonia e salmonela podem aparecer com maior facilidade. O professor de doenças infecciosas em animais de doenças infecciosas em animais da Universidade Tecnológica Federal de Minas Gerais (UFMG) Marcos Bryan Heinemann lembra que os animais também sofrem com a velhice. "Os animais também ficam senis, enfraquecem, perdem a memória, se confundem iguais ao ser humano".




Mais informações em:


http://noticias.terra.com.br/educacao/infograficos/doencas-animais/





domingo, 5 de janeiro de 2014

Transplante de cabeça, será possível?


            A iniciativa de um neurocientista italiano  de publicar  na recente edição do jornal Surgical Neurology International, a afirmação de que em breve a medicina será capaz de realizar um transplante de cabeça entre seres humanos, causou polêmica na comunidade científica mundial.
            De acordo com Sergio Canavero, diretor do Grupo de Neuromodulação Avançada de Turim, na Itália, o procedimento está próximo de se tornar realidade. "O maior desafio num procedimento do gênero é a reconexão da cabeça doada à coluna cervical do receptor. Mas há de ser reconhecido o fato de que a tecnologia necessária para tal ligação já existe", afirma o médico no texto.                                 
            Reconectar uma nova cabeça a um corpo seria um procedimento trabalhoso e bastante custoso, durando 36 horas e custando cerca de US$ 13 milhões. Entre os pacientes que se beneficiariam de um transplante de cabeça estariam portadores de distrofia muscular e tetraplegia, por exemplo.

Mais informações em: 


quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

Mexilhão dourado, o molusco destruidor!

O mexilhão dourado (Limnoperna fortunei) não é
comestível e se multiplica de forma ininterrupta.
 Biólogos brasileiros fazem vaquinha para pesquisar molusco destruidor




       Em uma iniciativa inédita no Brasil, um grupo de pesquisadores da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) lançou na internet ocrowdfunding (financiamento coletivo, em inglês) para arrecadar fundos para sequenciar o genoma do mexilhão dourado. A praga, que já se espalhou pelo Brasil, é bastante ameaçadora para o meio ambiente, entupindo tubulações de centrais de tratamento de água e turbinas hidrelétricas.                                                                    Leticia Constant




Mexilhão dourado.

Mais informações em: